Do que se trata a tão comentada PEC de redução da jornada 6×1?

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julho 22, 2024


Inicialmente, cabe apontar que se trata de uma Proposta de Emenda à Constituição de 1988, objetivando a mudança da redação do artigo 7º, inciso XIII, que atualmente dispõe

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(…)
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.

A PEC pretende que a redação seja alterada para:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(…)
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e TRINTA E SEIS SEMANAIS, COM JORNADA DE TRABALHO DE QUATRO DIAS POR SEMANA, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.
(trecho alterado em destaque)

Assim, em suma, a intenção é reduzir a carga horária semanal de trabalho de 44 horas para 36, bem como estipular quatro dias de trabalho na semana, diferentemente do modelo atual que, em regra, se trabalha seis dias na semana (ou 5 se houver compensação de jornada).
Do tema, vale apontar alguns esclarecimentos e possíveis consequências.

• A PEC não proibiu a redução salarial:
Atualmente, alguém que trabalha 44 horas semanais não pode ter seu salário fixado abaixo do mínimo, conforme assegura a CF/88. Pelo contrário, se a pessoa trabalha menos do que a jornada fixada na CF/88 (44 horas semanais), é lícito o pagamento de salário abaixo do mínimo, desde que respeitada a proporcionalidade de acordo com os valores fixados como mínimo.
Assim, se o limite de jornada passar a ser de 36 horas semanais (e não 44), quem trabalhava 44 horas por semana e recebia um salário mínimo passará a trabalhar 36 horas e terá garantido o salário mínimo anteriormente recebido, uma vez que o limite de jornada semanal constitucional será alterado.
Contudo, o cenário muda se o trabalhador recebe além do mínimo. Se o trabalho for de 44 horas semanais com salário acima do mínimo, em tese, a redução da jornada para 36 horas semanais pode acarretar na diminuição proporcional do salário, desde que garantido o mínimo.
Ou seja, a PEC não tratou sobre possibilidade ou não da redução salarial nos termos acima expressos, o que certamente gerará diversas discussões e embates na justiça.

• Limite de jornada de 36 horas semanais:
Nitidamente, a intenção da proposta é reduzir a jornada de trabalho de 6 para 4 dias na semana, entretanto, foi estabelecido o limite semanal de 36 horas e mantido o limite diário de 8 horas.
Deste modo, respeitando os limites estabelecidos na PEC, se o empregado trabalhar 8 horas por dia e 4 vezes na semana, o total de horas trabalhadas na semana seria 32, e não 36 conforme limite de jornada semanal fixado na PEC.
Ou seja, as contas não batem.
De acordo com a redação da proposta, dois caminhos seriam possíveis:

  • Respeitando os limites estabelecidos: o empregado trabalhará oito horas por dia e quatro dias na semana, totalizando 32 horas semanais. Nesta hipótese, o trabalhador não alcançaria o limite de jornada semanal de 36 horas estabelecida pela própria PEC, o que, em tese, poderia gerar redução proporcional de seu salário até abaixo do mínimo, uma vez que o salário mínimo só é assegurado para quem trabalha uma jornada completa (36 horas), e, no caso, a jornada efetivamente laborada seria de 32 horas semanais (8×4).
  • Desrespeitando os limites estabelecidos na própria PEC: outra hipótese possível de se imaginar é que, em virtude do limite de jornada semanal de 36 horas estabelecidos, “poderia ser desrespeitado” o limite de 4 dias de trabalho na semana ou haver a compensação da jornada, para que se atinja as 36 horas de trabalho na semana. Aqui, as situações se dariam da seguinte forma:
    1- O empregado poderia trabalhar 5 vezes na semana, sendo que em 4 dias trabalharia 8 horas, e em 1 dia trabalharia 4 horas, totalizando 36 horas semanais.
    OU
    2- Se houver previsão de compensação de jornada em acordo individual ou norma coletiva, o empregado poderia trabalhar 4 vezes na semana, sendo que, durante esses 4 dias, deverá “encaixar” as 4 horas de trabalho que deveriam ser trabalhadas no 5º dia, como, por exemplo, trabalhando 1 hora a mais por dia durante os 4 dias, alcançando, novamente, a jornada limite de 36 horas semanais estabelecidas na proposta.
    Na primeira hipótese se buscaria cumprir a letra da Lei, entretanto, geraria, em regra, a possibilidade de redução salarial. Na segunda hipótese restaria descumprido os próprios termos da PEC, mas, em tese, ficaria resguardado o salário mínimo.
    Em síntese, de qualquer forma, a intenção da Proposta de Emenda claramente é beneficiar o trabalhador, reduzindo sua jornada de trabalho semanal, contudo, não cuidou de dispor sobre a possibilidade ou não de redução salarial, bem como é confusa quanto aos limites de dias e horas de jornada semanal, o que, por consequência, pode gerar insegurança jurídica e abarrotar o Poder Judiciário.

Pedro Zanelli
Advogado Trabalhista